Momentos de Devaneio
MARIA LUÍZA D C
“Eu aceito” - Durante uma cerimônia de casamento, esse foi pra mim como um sinal, sim, um sinal para que eu voltasse ao meu passado, como se eu pudesse me rebobinar assim como se rebobina uma fita cassete. Lembrei-me do cavalo, em que fui para a cidade para me casar, da pequena igreja em que me casei. Lembrei-me de quando lá estava eu preparando o tutu – espécie de comida preparada com feijão e farinha de mandioca- para servir os convidados, nas panelas de finco - utensílios arredondados com quatro pezinhos (fincos) que só se adaptam bem em fogões à lenha - à qual peguei emprestado de minha comadre.
Aquele cheiro de lenha queimando no fogão ainda está bem vivo na minha memória.
Ouço também o barulho do trote do cavalo em que minha madrinha vinha montada trazendo o vestido de noiva para a minha entrada, e que tinha sido tecido a mão e que para mim reluzia, de tão branco. Ainda consigo ouvir nitidamente o soar da sanfona juntamente com o cantar dos grilos da fazenda onde morei. Fazenda no alto do morro, morro mineiro, morro que ficava ao leste de Minas, de onde se avistavam as montanhas que cercavam a belíssima e histórica de Ouro Preto.
Por um instante eu vivi e senti novamente os alvíssimos grãos de arroz caindo sobre meu vestido, os mesmos grãos que desapareciam na camisa também muito branca de meu noivo e se destacavam no terno negro do meu pinguim rei.
Os “vivas” voltaram a minha cabeça como uma leve brisa após uma chuva de verão. Cada instante, cada cheiro, cada sensação voltou e eu pude viver aquele 24 de maio novamente, mesmo que por pouco tempo, pois rapidamente as lembranças se foram, voltaram para 1974, uma vez que 2014 me chamava de meu devaneio.
Ai que saudade da minha terrinha, do terreiro que eu varria cantando todas as manhãs com vassoura de alecrim. Enquanto fazia o meu serviço podia ver o meu pai, preparando e fumando seu cachimbo abastecido com fumo de corda, que por sinal cheirava muito forte. Esse aroma de palha queimada logo se espalhava pelo quintal me obrigando a entrar para o interior da residência. Era quando eu avistava minha mãe lavando a louça, areando as panelas com o sabão de cinza, sabão negro.
Até hoje sinto saudade daquele varal de corda sustentado por bambus, de onde, quando eu estendia a roupa, podia ver a enorme mangueira da qual eu tinha medo, pois minha mãe sempre dizia “menina, menina ‘ocê’ sabe que se ‘ocê’ passar de baixo da mangueira vai ter azar?”
Talvez por causa dessa crença de minha mãe, cresci sem experimentar o doce sabor de uma manga e, por mais incrível que pareça, foi com mais de 27 anos de idade que eu tomei, pela primeira vez, o suco dessa fruta.
Aqui hoje estou eu, há treze anos morando em Sorocaba, no jardim Novo Horizonte, bairro que se localiza entre o Jardim Maria Eugênia e Nova Sorocaba.
É um lugar simples, de gente simples. Antigamente nesse lugar existia uma horta enorme que abastecia de verduras e legumes toda a região. Eu não a conheci, porque quando vim morar aqui, ela já havia se transformado num bairro, como tantos que surgiram na zona norte ultimamente.
Apesar de gostar daqui, o lugar que mora em minha cabeça e meu coração é a minha querida Bom Retiro, MG.
Ainda hoje quando vou varrer a casa canto a música do meu cantor predileto, Almir Rogério, que me faz me lembrar de um passado que me traz muitas saudades.
Texto feito a partir de entrevista com a senhora Zilda s. Coelho, 61 anos avó da aluna autora