segunda-feira, 27 de outubro de 2014

Momentos de Devaneio

                                                                                                                                   MARIA LUÍZA D C
“Eu aceito” - Durante uma cerimônia de casamento, esse foi pra mim como um sinal, sim, um sinal para que eu voltasse ao meu passado, como se eu pudesse me rebobinar assim como se rebobina uma fita cassete. Lembrei-me do cavalo, em que fui para a cidade para me casar, da pequena  igreja em que  me casei. Lembrei-me de quando lá estava eu preparando o tutu – espécie de comida preparada com feijão e farinha de mandioca- para servir os convidados, nas panelas de finco - utensílios arredondados com quatro pezinhos (fincos) que só se adaptam bem em fogões à lenha - à qual peguei emprestado de minha comadre.
 Aquele cheiro de lenha queimando no fogão ainda está bem vivo na minha memória.
 Ouço também o  barulho do trote do cavalo em que minha madrinha vinha montada  trazendo o vestido de noiva  para a minha entrada,  e que tinha sido tecido a mão e que para mim reluzia, de tão branco. Ainda consigo ouvir nitidamente  o soar da sanfona juntamente com o cantar dos grilos da fazenda onde morei. Fazenda no alto do morro, morro mineiro, morro que ficava ao leste de Minas, de onde se avistavam as montanhas que cercavam a belíssima e histórica de Ouro Preto.
Por um instante eu vivi e senti novamente os alvíssimos grãos de arroz caindo sobre meu vestido, os mesmos grãos que desapareciam na camisa também muito branca de meu noivo e se destacavam no terno negro do meu pinguim rei.
 Os “vivas” voltaram a minha cabeça como uma leve brisa após uma chuva de verão. Cada instante, cada cheiro, cada sensação voltou e eu pude viver aquele 24 de maio novamente, mesmo que por pouco tempo, pois rapidamente as lembranças  se foram, voltaram para 1974, uma vez que 2014 me chamava  de meu devaneio.
 Ai que saudade da minha terrinha, do terreiro que eu varria cantando todas as manhãs com vassoura de alecrim. Enquanto fazia o meu serviço podia ver o meu pai, preparando e fumando seu cachimbo  abastecido com fumo de corda, que por sinal cheirava muito forte. Esse aroma de palha queimada logo se espalhava pelo quintal me obrigando a entrar para o interior da residência. Era quando eu avistava minha mãe lavando a louça, areando as panelas com o sabão de cinza, sabão negro.
 Até hoje sinto saudade daquele varal de corda sustentado por bambus, de onde, quando eu estendia a roupa, podia ver a enorme mangueira da qual eu tinha medo, pois minha mãe sempre dizia  “menina, menina ‘ocê’ sabe que se ‘ocê’ passar de baixo da mangueira vai ter azar?”
Talvez por causa dessa  crença de minha mãe, cresci sem experimentar o doce sabor de uma manga e, por mais incrível que pareça, foi com mais de 27 anos  de idade que eu tomei, pela primeira vez, o suco dessa fruta.
Aqui hoje estou eu, há treze anos morando em Sorocaba, no jardim Novo Horizonte, bairro que se localiza entre o Jardim Maria Eugênia e Nova Sorocaba.
É um lugar simples, de gente simples. Antigamente nesse lugar existia uma horta enorme que abastecia de verduras e legumes toda a região. Eu não a  conheci, porque quando vim morar aqui, ela já havia se transformado num bairro, como tantos que surgiram na zona norte ultimamente.
Apesar de gostar daqui, o lugar que mora em minha cabeça e meu coração é a minha querida Bom  Retiro, MG.
 Ainda hoje quando vou varrer a casa canto a música do meu cantor predileto, Almir Rogério, que me faz me lembrar de um passado que me traz muitas saudades.
                                      
Texto feito a partir de entrevista com a senhora Zilda s. Coelho, 61 anos avó da aluna autora

 IMERGINDO-ME EM RECORDAÇÕES
                                                                                                                               Evellen Layza  

      Lembro-me como se fosse ontem: bem de tardezinha, o sol quase se pondo, e eu já estava na rua vendendo sorvete na minha cidade de Sorocaba, que nem asfaltada era, pura terra. Recordo-me até hoje daquele cheiro de mato molhado. Nossa vida era difícil pois papai ganhava muito pouco, apenas  o suficiente para não morrermos de fome e frio. Enquanto caminhava, a poeira batia em meus olhos e os fazia ficar cheios d’ água.
      Frequentei semanalmente  a casa do meu avô paterno, que tinha um enorme quintal com galinheiros, horta e pomar, e um riacho que vinha de longe, torcendo –se pelas profundezas da mata e ali se alargava preguiçosamente, como  que para repousar as águas cansadas de rolar entre as pedras. Mangueiras imensas com sobras frescas e balanços tentadores amarrados nos galhos. Ali ficava horas inteiras saboreando, a poesia simples daquele pedaço amável da natureza.
      Então cresci e com mais ou menos sete anos de idade ganhei uma bicicleta. Naquele mesmo dia eu desci toda a rua, mas ela se parecia mais com uma montanha de tão alta. Como o costume de todos os meus amigos, eu descia correndo, no máximo que a bicicleta permitia, fazia  a curva na esquina e subia a rua deles, que era uma subida, por isso tinha que embalar bem. De repente minha bicicleta foi para o outro lado da rua e bati o pneu da frente na sarjeta do outro lado. Perdi as contas de quantas vezes eu vi o horizonte mudando o céu para a terra e vice-versa e fui parar a cerca de cinco metros da sarjeta.
     Com nove anos comecei a trabalhar na guarda-mirim para ajudar meu pai e também estudava. Não gostava de ir para a escola, mas era esperto e isso acabava ajudando.
     Como sempre era costume,  aos domingos eu, meus pais e meus irmãos íamos à igreja e foi lá que conheci uma linda moça pela qual me apaixonei. Passaram-se os anos e eu me casei com aquela bela jovem. Eu tinha vinte e três anos e ela vinte e um. Após três anos, tornei-me  papai. Minha filha nasceu linda e saudável, um pequeno anjo em nossas vidas. Ela cresceu...cresceu...  Cada dia mais linda.
      Após nove anos, lá veio outra grande notícia: outro anjinho estava prestes a nascer. Que alegria!!!
Enfim agradeço muito a Deus por tudo que já passei e pela educação que recebi dos meus pais e continuo lutando muito para que minhas filhas tenham uma infância e um futuro bem, bem melhor do que o meu. Esses momentos não voltam mais: a magia encantadora de ser uma criança, sem drogas, sem violência e pura, muito pura.
     São belas passagens que só ficam guardadas na lembrança.
    Texto baseado em entrevista  com Esequiel A, pai da autora.

REENCONTRO DE UMA VELHA AMIZADE

                                                                            Vitória  P M
     Um dia desses estava passeando num shopping, quando avistei de longe uma velha amiga, muito importante para mim. Seu nome é Magda. Fui me aproximando cada vez mais para ter certeza de que era  ela mesma e felizmente percebi que era e fomos recordar nossos tempos de infância.
     Lembrei-me que nos divertíamos nas praças de Sorocaba. Nós brincávamos de muitas coisas, como por exemplo: pular corda,queimada, unha na mula, passa-anel e feijão queimado, mas nada disso era tão emocionante como ir à casa de minha amiga e ficar brincando na banheira. Muitas vezes aprontávamos altos na rua Sete de Setembro e, às vezes, entrávamos de penetra nas festas de aniversário para pegar um pouco de bolo, uns  salgadinhos, entre outros. Nessa época era gostoso pois não havia tecnologia e as brincadeiras se tornavam mais saudáveis e mais prazerosas. Essa época já passou e eu não gostaria de voltar pois estou vivendo um momento muito bom em minha vida,  mas minha amiga não: ela perdeu seu marido em um acidente de carro há dez anos.
     Gostaria de voltar a um lugar muito importante para mim que fez parte de minha infância com Magda, e que frequentávamos todos os finais de semana: o clube Shangri-la, em Brigadeiro Tobias, onde fazíamos piquenique e víamos o por do sol.
       Esse lugar, infelizmente, já não existe mais. Quem o frequentou nas décadas entre 1970 e 1980, certamente não o reconheceria nos dias de hoje. O espaço está abandonado há anos e há marcas de destruição por todos os lados, seja pelas intempéries, ou pela ação de vândalos. O espaço está todo coberto por mato, lama e com água acumulada nas piscinas e em pontos isolados. Moradores vizinhos preocupam-se com a proliferação do mosquito  Aedes aegypti, transmissor da dengue, e, também, com pessoas estranhas que invadem o lugar para usar drogas. Antigamente o clube era cheio de árvores, piscina, casinha de boneca. Era um lugar para lazer e eu o amava.
Casei-me com  dezenove anos na igreja Nossa Senhora Aparecida e fui tirar fotos e fazer vídeo na praça Pio  XII, na avenida Pereira da Silva mais conhecida como Praça do Coreto, no bairro Santa Rosália. Era uma praça bastante arborizada, em estilo inglês e abrigava um charmoso coreto. Hoje ao lado da praça temos  o Villàgio Shopping e a igreja Santa Rosália. Lembro-me até hoje da história da igreja Santa  Rosália, apesar de hoje ser evangélica. A igreja foi construída no início do século vinte e décadas após teve que ser demolida por medida de segurança. No dia 02 de agosto de 1964 , a Vila de Santa Rosália ganhava um  novo e moderníssimo templo, em honra à sua Padroeira.
       Sempre me emociono ao ver que amigos meus de infância estão bem e vivos, mas fico triste ao lembrar que alguns entes queridos já não estão mais entre nós, mas sei que eles estão bem, lá em cima com nosso Deus querido porque eles foram boas pessoas no mundo.
 Depois de lembrar o que aconteceu em nossas vidas tive que ir embora pois tinha que ir buscar minha filha na escola.

        Texto com base em entrevista feita com a senhora Aracelis P P M, 49 anos, casada , moradora do bairro Jardim Maria Eugênia, Sorocaba, SP, mãe da autora.








Cidadezinha
                                                                                              Keren A A da Silva
       Hum!!! arroz e feijão, no prato, saboroso, mas duro de conquistar.Foi assim a minha vida com bastante esperança e lutas para nunca mais passar pelo que passei: ficar sem comida no jantar é difícil... Nasci em Barbosa Ferraz, no estado de Paraná, onde morei  por 9 anos.
      Esse tempo não foi como um mar de rosas vermelhas, com tudo de bom e de melhor. Lá era uma delícia de viver, não tinha rua asfaltada, não tinha casas com luxo como hoje, era uma cidadezinha sonhadora, sonhando  conseguir ser uma cidade melhor. Agora   a  minha Barbosa está reformada, construíram vários pontos turísticos como a Rodoviária Municipal,  o Estádio Municipal entre outros. Hoje tudo é diferente: as ruas têm asfalto, as escolas são modernas, reforçadas, boas casas, com luxo, prédios, hospitais etc.
      Minha casa ficava perto de uma mata enorme que se juntava com as plantações. Era casa de madeira de lei e  uma das menores da vila. Eu tinha uma melhor amiga, a Renata, que era bonita, simpática e inteligente. Nós  éramos as amigas que nunca se desgrudavam. Ela morava perto da minha casa. Só que essa amizade não durou muito tempo. Acabaram os passeios acabou a diversão,  acabou uma amizade de que sinto saudade até hoje. Sabe por quê? Meu pai tinha resolvido vir para Sorocaba! Dessa decisão não gostei. No começo chorava em silêncio para ninguém suspeitar. Na minha mente era muito estranho começar a metade da minha vida em outro lugar. Mas tive que vir, fazer o quê...
     No caminho, na vinda para Sorocaba coloquei minha cabeça no banco do caminhão e ficava observando a paisagem da minha cidadezinha que foi ficando pra trás e a comparava com a de Sorocaba e não gostava do que via. Eu praticamente amava a minha cidadezinha, então, no começo, não gostava dessa cidade volumosa. No início,  o local onde fui morar era coberto pelo mato, igual a minha cidadezinha paranaense. Depois os prefeitos foram mudando, tornando a cidade um pouco mais bonita.
     Como eu não estudava,logo que cheguei fui procurar um trabalho. Meu primeiro foi o de empregada doméstica, depois cozinheira e em seguida  em uma empresa.
      E os tempos rolaram, cresci, namorei e tive meu primeiro filho e hoje tenho mais duas meninas. Sinceramente para uma mãe que passou por momentos difíceis, só quero que essas dificuldades não venham a fazer parte da vida de meus filhotes.
     O tempo trouxe o que eu queria e o que eu não queria. Como o que  ele trouxe, ele leva, sinto saudade daquela cidadezinha.
     Hoje estou com 37 anos, e ainda me lembro daquela menininha magra, com os cabelos longos e pretos, sonhadora, que não desistia fácil do que queria e que chorava em silêncio. Ela está aqui batalhando e buscando fazer o impossível.
     Barbosa Ferraz, Paraná, nunca me esquecerei de você, pelo contrário, guardarei as lembranças e elas farão emocionar a quem eu contar desse amor.
                                                                  História baseada na vida da mãe da autora.


RECORDAÇÕES
                                                                                                                                                                                     Maria Eduarda de A
     Assitir à tv é bom, mas brincar à luz do sol é melhor ainda. Quando eu era criança, eu brincava todas as tardes com os meus primos, meu irmão e meus amigos. Todo dia, depois da lição de casa, porque se não mamãe não nos deixava sair. Eu e  meu irmãozinho, Graciel, tínhamos sempre atividades a fazer e não fizesse pra ver! Tínhamos que enfrentar a fúria de duas feras: nossa mãe e a professora. Além disso, se eu não cumprisse minhas tarefas  eu teria que ficar na escola nas férias para conseguir nota para passar de ano.
      Eu me recordo de como eu recebia carinho dos meus pais, dos meus avós e dos meus tios. Meus tios contam que eu ficava brincando com os cabelos deles e eu fingia que eu era cabeleireira, mas eu não deixava ninguém  tocar nos meus cabelos. Eu ficava irritada e enfezada .
     Mas o que eu mais me recordo é quando minha mãe fazia café. Ela juntava aquela água com açúcar e moía a semente do café para torna-lo pó.  Quando eles se tocavam no coador a cena  me lembrava uma cachoeira batendo em um lago parado. Era simplesmente a coisa mais bela e perfumada que trazia a casa uma atmosfera tranquila e calma.
     Eu meus amigos brincávamos na rua e a gente fingia que derrotava dragões e que éramos cavaleiros defendendo a nossa pátria. Em nossa imaginação havia guerra e destruição,  e lutávamos com nossas espadas que na verdade, eram apenas gravetos de madeira, mas que  para nós  tratava-se de bravas espadas de ferro e de aço . Para a gente miúda  as melhores eram as de ouro porque elas eram apenas  para reis e rainhas e eu sempre quis ser a rainha mosqueteira para todos temessem quando pronunciassem o meu nome dizendo “Gracieli Pereira Borges”
     Tudo isso porém existia apenas em nossos sonhos porque a realidade era muito diferente.
     A casa onde eu morava era muito pobre. Suas paredes não tinham reboque, nem piso e nem pintura. Os quartos eram só dois, mas éramos quatro em casa e eu tinha que dividir o quarto com o meu irmão.
     Eu morei em Botucatu,  cidade do interior de São Paulo, a  maior parte da minha vida. Aquela cidade é um bom lugar para se aproveitar a infância e eu aproveitei.
     Mas agora eu vou fazer um café para eu recordar de novo da infância maravilhosa que eu tive.
     Memórias Literárias produzidas a partir de entrevista com a mãe da autora, senhora Gracieli B de A.









O TEMPO PASSA MAS AS LEMBRANÇAS FICAM
                                                                                                                                                                                                                                STEPHANIE R
Eu sou o caçula  de uma família simples, mas que não desiste dos seus sonhos. Minha família era muito pobre e não era fácil para minha mãe e meu pai sustentarem 16 filhos e pagar aluguel. Nós morávamos em uma casa de fundo, no bairro Mineirão.
As minhas brincadeiras pelas ruas de terra eram papagaio (pipa), peteca, pula-corda, unha-na -mula, corrida...
Como não havia luz elétrica em casa, também  não tínhamos  tecnologia. Então quando chegava por volta de 18 horas a gente tinha que acender o lampião. Quando eu chegava da escola, por volta das 16:50  eu via minha mãe varrendo a casa com a vassoura de palha e de longe eu sentia o cheiro de pão caseiro, que ela fazia. O cheiro e o sabor eram divinos. Eu também escutava a campainha do bule, avisando que o café estava pronto. Mamãe pegava  o açucareiro e colocava açúcar no café e  chamava  os meus irmãos  e eu para lancharmos. Mas hoje infelizmente ela já não está viva e o meu pai também faleceu.  Sinto muita falta deles.
 Quando minha mãe estava viva, ela mandava várias cartas, para todos os parentes dela que moravam em outra cidade. Ela pegava o papel e a caneta tinteiro, e passava o resto da tarde escrevendo. Às vezes não dava tempo de escrever as cartas porque ela estava costurando e fazendo crochê.  Ela era uma mãezona.
Algumas vezes eu vejo a foto dela e a do meu pai que foram tiradas no lambe-lambe- aqueles fotógrafos ambulantes que ficavam geralmente postados em praças e jardins públicos.
Depois que o meu pai e minha mãe faleceram, eu comecei a morar com os meus irmãos.Nessa época eu ia pra escola, mas não ia muito bem nos estudos. Eu me lembro que tinha uma professora de matemática que não gostava muito de mim. Certa vez ela marcou uma prova e falou que se eu fosse mal, eu iria repetir de ano, e, por medo, eu estudava todos os dias. E eu estudei muito, muito mesmo. Quando chegou o dia  eu fiz  a prova e na hora em que eu iria sair da sala meu amigo Jacó espiou e viu que eu tinha tirado "A" na prova dela.
O tempo passou e eu terminei os estudos. Era um jovem que passeava muito com os amigos e em uma dessas saídas eu conheci uma bela jovem que se chamava Kallen. Foi amor à primeira vista. Eu comecei a namorá-la e quando fizemos 2 anos de namoro, ela ficou grávida e nós decidimos  nos casar. Depois de 9 meses nasceu a pequena Stephanie, linda como a mãe, com cabelos negros e olhos que pareciam duas jabuticabas de tão negros.
Depois que minha filha nasceu,  eu comecei a trabalhar na fábrica ZF. Nessa época eu passei difíceis condições de vida, mas por pouco tempo.
Depois eu comecei a trabalhar na fábrica CBA com um  salário  ótimo e eu e minha família nos mudamos para o bairro São Guilherme, um lugar excelente para se morar. Na época em que eu me mudei, tinha mais terrenos vazios e matagais, mas hoje tem muitas casas residenciais e comerciais e um shopping na  avenida  Itavuvu.
Minha mulher ficou grávida de novo,  dessa vez de um menino e agora  eu posso dar uma condição melhor para minha família.
Algumas vezes, bate uma saudade, mas nós vivemos o presente não o passado.
Texto baseado em entrevista com o pai da autora.




RECORDAÇÕES DE UMA VIDA
                                                                                              Mayara  de P Neres 

     Estava  escutando rádio e de repente tocou a música “Meu Reino Encantado” com o cantor Daniel. Enquanto  a ouvia eu me recordei do passado e do tempo em que essa melodia, gravada por outro cantor, fez parte de minha vida.
     Quando tinha oito anos morava em uma casa feita de barro, chão sem piso.  Dormia em uma esteira  feita de palha ou taboa (secava a palha ou taboa,  trançando-a) estirada no chão. Usávamos roupas feitas de saco de farinha.
    Minha infância não foi fácil pois não pude estudar porque meu pai não deixava. Tentei estudar sem seu consentimento  e consegui ir até o quarto ano. Meus pais iam muito cedo para a roça eu ficava para cuidar da casa. Eu fazia toda a tarefa que tinha em casa, de modo que meus pais não desconfiassem, em seguida colocava o uniforme e seguia rumo à escola. Depois de quatro horas eu voltava  para casa, tirava o uniforme e colocava-o embaixo do travesseiro, trocava de roupa e passava lama no corpo para parecer que estava suja. Revia tudo para conferir se estava como o esperado e levava a marmita para meus pais que estavam na roça.  Minha mãe me ajudava, pois ela achava que se eu estudasse poderia ter um emprego melhor e poderia tirar minha família do sufoco.
      Mas um dia meu pai foi trabalhar e  voltou cedo, me pegou colocando o uniforme embaixo  do travesseiro e me sujando. Por um segundo fui ao banheiro e, quando voltei, meu uniforme e meus materiais estavam todos picados. A partir daí não pude mais ficar em casa e tive que trabalhar na lavoura.
     Tempos  depois, vim para Sorocaba, consegui me alojar em uma simples casinha na vila Hortência, em um cortiço, com minha irmã. Depois fui morar na Vila Santa, perto da igreja Santa Rita. Finalmente com quatorze anos recomecei os estudos na escola Visconde do Porto Seguro.
      Quando estava com quinze anos minha vida melhorou muito e eu até ia visitar meus irmãos no sítio e lá me lembrava das brigas e outras coisas. Fui até perto do poço para sentir o cheiro de mato molhado nos dias em que brincávamos na chuva.
     O lugar mais longe que já fui é Curitiba, no Paraná. Viajei  pois minha patroa, me disse para ir acompanhar  a sua filha e que  as despesas já estavam todas pagas. A viagem foi em época de carnaval, bem no dia do seu aniversário. Além de eu acompanhar a jovem na viagem, era também um presente de aniversário para mim. Foi muito emocionante, nunca vou me esquecer de meus amigos.  Foi uma amizade rápida, mas passamos cada momento maravilhoso no porto João Paulo segundo.  O trem passava bem em frente, mas infelizmente não tive a oportunidade de entrar pois  estava fechado.Também me lembro da pedra de tartaruga, mas não cosegui vê-la porque ficava em Vila Velha. Tenho muitas fotos de lá.
     Hoje moro no jardim Maria Eugênia. Antigamente antes 1981 esse lugar era uma fazenda e barro. Depois surgiu um conjunto de casas populares. Quando saiamos para trabalhar ou passear, depois de uma chuva tínhamos que colocar uma sacolinha no pé para entrar no ônibus para não sujá-lo.
No início as casas não tinham muro, cada vizinho construía o seu para não haver briga, porque assim ninguém demolia os muros dos outros. Naquela época só existia o mercado da Zefa, não tinha açougue, supermercado... Agora temos tudo, até shopping. 
     Meu casamento foi outro fato de que me lembro muito bem pois foi especial. Me casei com vinte e três anos na igreja São Carlos Borromeu. Houve também três casamentos no mesmo dia, depois do meu. Não conhecia as outras noivas, mas elas enfeitaram a igreja para mim. Não gastei nada.
      Após um ano de casada fui embora para São Paulo, trabalhei na Telefunken durante o dia e meu marido também trabalhava lá, só que à noite.
    Depois de um ano engravidei, não era casada no civil pois meu marido era mais novo que eu, só tinha dezoito anos e seu pai não quis assinar o documento porque ele era menor de idade. Quando ele fez vinte e um anos casamos no civil porque não precisaríamos que outros assinassem para nós. Nessa época não pude trabalhar porque estava grávida, já de oito meses e meio. Certa vez, quando estava passando no supermercado, esperando o ônibus, minha bolsa estourou, então fui correndo a pé para o hospital mais próximo que era o "Zona Sul" em Santo Amaro. Meu parto foi normal e correu tudo bem.
      Quando minha filha fez um ano minha irmã foi me buscar em São Paulo para vir morar em Sorocaba. Ela construiu um quarto de madeira nos fundos de sua casa para eu e minha filha morarmos. Minha irmã olhava a menina para eu ir trabalhar. Meu marido começou a trabalhar na fábrica Santo António que hoje é o  shopping Pátio Cianê. Trabalhei a vida inteira como empregada doméstica, até minha aposentadoria. Às vezes não tinha onde deixar minha filha então eu a levava para trabalhar comigo. Depois ela, com três anos, entrou na creche da prefeitura onde hoje é o terminal do interbairros na vila Hortênsia. Quando ela tinha sete anos foi estudar no Sesi onde ficou até a sexta série do ensino fundamental.
     Foi nessa época comprei minha casa,  no jardim Maria Eugênia.  Minha garota foi estudar na escola ”Professora Guiomar Camolesi Souza”  onde ficou até o sétimo ano do ensino fundamental. Alguns anos após, quando estava com dezoito, minha filha engravidou da  minha neta Mayara que foi um presente de Deus e  que chegou para alegrar a minha vida. Depois de um ano e sete meses outro neto chegou também para alegrar-nos: o Matheus.
     O aniversário que mais me emocionou foi em 2011 e 2012 que meus amigos fizeram uma festa surpresa para mim. Foram feitas três festas: uma em minha casa com minha família, uma no clube Konka Music Bar, que já não existe mais, e outra na casa de minha amiga.
Peço a Deus que me leve somente quando  meus netos estiverem casados e com filhos porque me emociono a cada festa deles. No aniversário do Matheus fomos ao parque Natural Chico Mendes e senti novamente o cheiro de mato molhado e percebi de Deus me deu visões e cheiros para me lembrar que meus pais ainda se lembram de mim.
     Então  foi assim a minha vida, mas agora tenho que correr porque a água do meu chá vai secar.

Texto produzido a partir de entrevista com a senhora Anésia M de P, avó da autora